"O quarto secreto" desperta um sabor amargo através da releitura do conto do Barba Azul

 


Lançado em 2018, o filme hollywoodiano "O quarto secreto", disponível na plataforma de streaming Netflix, do diretor venezuelano Sebastian Gutierrez, lança luz sobre os grilhões das raízes da opressão destinadas às mulheres por meio de uma narrativa que mistura diversos gêneros cinematográficos como a ficção científica, o thriller e o terror. Na trama, a jovem e bela Elizabeth (Abbey Lee) casa-se com um renomado cientista, Henry (Ciarán Hinds), e logo na lua de mel vão morar na mansão dele. Com uma morada repleta de luxo, ele apresenta para ela todos os aposentos que integram o local, com exceção de um quarto informado por ele ser um espaço reservado para seu trabalho e, dessa forma, proibida a entrada dela. Quando o marido se ausenta da casa por motivos de negócios, a esposa decide entrar no aposento censurado e, ali, tem uma revelação estarrecedora.

Tal qual o conto do Barba Azul descrito pela psicóloga junguiana Clarice Pinkola Estés, em seu livro "Mulheres que correm com os lobos", de 1989, sobre um homem com barba azul que ao casar-se com uma jovem a proíbe de utilizar uma pequena chave cuja fechadura abre o quarto em um porão onde ele estoca os ossos de suas ex-mulheres, no filme "O quarto secreto", este mesmo cômodo vetado reserva a protagonista Elizabeth a descoberta de haver várias cápsulas de outros corpos femininos semelhantes aos seus. Se na fábula, o personagem do Barba Azul não consegue matar sua esposa após saber que ela descumprira sua ordem pois ela conta com a ajuda de suas irmãs e irmãos, na obra cinematográfica o destino da jovem é ser assassinada brutalmente pelo cientista e enterrada nos arredores da mansão com a cumplicidade do suposto filho de Henry, Oliver (Mattew Beard), e da governanta Claire (Carla Gugino).

Três meses se passam até que eis aparece novamente a mesma cena da chegada do casal até a mansão após o casamento. Logo, observa-se que trata de ser uma das cópias de Elizabeth armazenada no quarto secreto. O ciclo repete-se e a jovem ao adentrar no aposento proibido é surpreendida por suas semelhantes ali desenvolvendo e, consequentemente, sofre a mesma perseguição do marido para uma morte trágica. No entanto, essa réplica consegue safar-se ao esfaquear o cientista. Com sua morte, ela tem como objetivo fugir o quanto antes da mansão, mas com trancas eletrônicas esse evento torna-se praticamente impossível.

Mesmo com alguns deslizes de roteiro com soluções fáceis, o filme "O quarto secreto" vislumbra as raízes estruturais desse patriarcado que opera na sociedade ocidental em privilegiar as figuras masculinas e às femininas destinar ao espaço privado, à servidão ao homem sexualmente, à violência doméstica e à ausência de memória, ou seja, sem conhecimento de sua própria história. Na narrativa cinematográfica esse ciclo de submissão feminina discorre através de seis cópias de Elizabeth, o que possibilita aludir o quanto de gerações passadas de mulheres tiveram que sofrer e lutar para que as futuras possam usufruir de condições mais igualitárias aos homens. 

CineBliss***

 


 Ficha técnica:

O quarto secreto (Elizabeth Harvest) 

Estados Unidos, 2018
Direção:  Sebastian Gutierrez 
Roteiro: Sebastian Gutierrez 
Elenco: Abbey Lee, Ciaran Hinds, Mattew Beard,Carla Gugino

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