"Men - Faces do Medo" escancara com propriedade as instituições que flertam com a opressão feminina

 

Com projetos que tangem ares audaciosos e reflexivos, o diretor Alex Garland responsável por "Ex-Machina"(2014) e "Aniquilação"(2018), expressa em seu mais recente trabalho "Men - Faces do Medo" (2022) - disponível para locação na plataforma de streaming Amazon Prime Video -, o processo de luto e as interconexões desse estado humano com as instituições que assombram e oprimem mulheres por meio da jornada da viúva Harper (Jessie Buckley) quando se desloca para um vilarejo inglês em busca de tranquilidade e cura.

O casarão alugado por ela tem como proprietário um homem um tanto quanto estranho chamado Geoffrey (Rory Kinnear). Esse mesmo tipo masculino ao longo do filme corporifica alusões das representações da Igreja, do Estado, da Maternidade, da Polícia, e até mesmo da figura de Adão. Já a personificação da instituição Casamento se faz presente pelo falecido ex-marido, James (Paapa Essiedu). Todos esses personagens proporcionam uma possível metáfora das entidades que falam e agem de acordo com a linguagem simbólica da ordem patriarcal, e intimida e assusta Harper quando esta se predispõe a abalar as estruturas desse sistema como pedir o divórcio, contestar o padre ou fugir de Adão.

Harper, ou simbolicamente a versão moderna de Eva, é arremessada logo no início do filme para um cenário bucólico da natureza, e ali já demonstra ser a heroína transgressora de sua própria jornada quando sem pestanejar pega uma maçã da árvore do jardim da casa de Geoffrey, ou ala Jardim de Éden, e morde o fatídico fruto proibido considerado pelo cristianismo responsável por todas as mazelas humanas. Esse ato desafia a performance esperada dela e a direciona para o caminho espinhoso de encarar de frente todos os fantasmas que apavoram não só sua personagem, como todas as mulheres. 

Costurado com imagens da paisagem idílica da casa de campo e a natureza ao seu redor em contraste com cenas de flashbacks que aparentam um cenário apocalíptico, tem-se um desenho da associação da mulher à natureza, do sentimento de culpa pelo fim do casamento direcionado para Harper, a repressão sexual e às violências impostas a pessoas do sexo feminino. Mesmo com essas flechas de teor de intimidação e subserviência, a protagonista demonstra consciência dessas engrenagens punitivas e em posse de dar vazão para seu monstrouso-feminino.

O termo cunhado pela pesquisadora Barbara Creed, em 1993, retorna em sua mais recente publicação "O retorno do monstruoso-feminino" (2022), na elucidação de que há um movimento atual no cinema de protagonistas femininas cuja busca da vingança transforma-se em uma revolta contra a ordem simbólica do patriarcado.   
 
Sob esse viés, Harper possivelmente pode ser vista como mais uma personagem que representa essa revolta íntima do monstruoso-feminino. Ao questionar seu próprio ser embarca na jornada da noite escura da abjeção do seu inconsciente e vê-se obrigada a encarar seu pior pesadelo  - relacionamento abusivo, violências, autoridades sexistas, misoginia dentre outros. Com isso, ela visualiza as várias facetas do horror patriarcal e tenta trazer luz ao fim do túnel na busca de ser capaz de transformar-se e transcender.  
CineBliss*****

Ficha técnica: 

Men - Faces do medo (Men)
Reino Unido, 2022
Direção: Alex Garland 
Roteiro: Alex Garland 
Elenco: Jessie Buckley, Rory Kinnear, Paapa Essiedu  
 

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