"Filhas do Sol" capta em meio a realidade trágica curda o papel ativo de mulheres na luta armada


Mulheres na linha de frente em conflitos armados, em papéis como soldadas resistentes que lutam pelos seus ideias, contradizem a premissa de pessoas frágeis que precisam ser salvas por homens tão difundida na indústria cinematográfica. Partindo desse pressuposto, o filme francês que estreia nesta quinta-feira (26) e que fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2018, "Filhas do Sol", da diretora Eva Husson (Uma história de amor moderna), retrata a condição da mulher quando sai da posição de vítima para assumir o comando de sua vida e lutar por um novo dia. Para isso, a realizadora destaca o embate verídico de 2014-2015, entre o exército Curdo - representado pelo batalhão feminino - e os extremistas religiosos.

Com o lema enfatizado pelas guerrilheiras curdas de "Mulheres, Vida, Liberdade", o longa-metragem aborda a rotina dessas mulheres numa sociedade machista e hostil, na expectativa e tensão frente à iminência do tiroteio e da possibilidade da morte. Mediante a exibição de cenas do passado e do presente da personagem Bahar (Golshifteh Farahani), comandante das 'Filhas do Sol' como são chamadas, o filme denota como de uma hora para outra sete mil mulheres tornaram-se escravas sexuais ou foram vendidas como mercadorias para extremistas, e como algumas que conseguiram escapar, viram como possibilidade de resistência o ato de pegar em armas para se defenderem. 

Nesse cenário de caos e brutalidade, encontra-se a fotojornalista francesa, Mathilde (Emmanuelle Bercot), com a missão de acompanhar e retratar essas mulheres na busca por retomar a cidade de Gordyene do poder dos radicais. Por meio de suas lentes, o espectador é conduzido na intimidade e companheirismo dessas guerrilheiras, com suas histórias sofridas, seus olhares tristes e cansados e, porque não, alguns sorrisos. A cena em que elas entoam juntas o hino de batalha cuja letra expressa suas dores, é de uma profundidade e perseverança que chega a doer o coração.

Mesmo oriundas de lugares distintos, as personagens Bahar e Mathilde possuem semelhanças em suas jornadas. Ambas perderam pessoas queridas em meio aos conflitos armados, têm como característica a força e coragem para entregar-se nessa luta (cada uma de sua maneira), sensibilizam-se com as motivações e resiliência de cada uma, e são impulsionadas pela maternidade. A primeira, na esperança de conseguir resgatar o filho das mãos dos extremistas, e a segunda, vê na filha a razão para continuar seguindo com a vida. A questão da maternidade é algo comum na trajetória de todas, e peculiar na forma como é apresentada no filme, uma vez que no meio da truculência há demonstração de afeto na amamentação, no parto ou no cuidado com a criança. 

Baseado em situações reais da unidade de resistência Yazidi, "Filhas do Sol, tem no roteiro assinado pela própria Eva Husson, um vislumbre de uma realidade trágica em meio ao caráter repressivo do poder aplicado contra as mulheres. Quando uma mulher consegue te contar que ela foi sequestrada e vendida quatorze vezes, e conta isso com extrema serenidade e força, você automaticamente questiona suas ideias e convicções sobre a tragédia do sofrimento. Desconstrói sua imagem de guerra. Eu queria essa experiência em meu roteiro, comenta a diretora. 

Mesmo que nenhuma representação possa dar conta do horror vivenciado por essas mulheres, "Filhas do Sol", logra com primor na captação desse ambiente de guerra visto sob a perspectiva feminina na função ativa de combate a essa realidade opressora. Sequencias como a da travessia no túnel ou da caminhada rumo à fronteira, possibilita visualizar a capacidade feminina de lutar pela vida e pelo poder de transformação de uma sociedade.
CineBliss*****




Ficha técnica: 

Filhas do Sol (Les filles du soleil)
França, 2018
Direção: Eva Husson,
Roteiro: Eva Husson
Produção: Didar Domehri
Elenco: Golshifteh Farahani, Emmanuelle Bercot

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