"Amor até as cinzas" transita na linha tênue entre amor, lealdade e justiça


O diretor chinês Zhangke Jia, em 2015, embriagou as telas de cinema com o poético triângulo amoroso em "As montanhas se separam", tendo como pano de fundo o fomento do capitalismo na China. Quatro anos depois, ele entrega a mesma profundidade das relações humanas no filme "Amor até as cinzas" (2018), agora com o país oriental já impregnado pela máquina do capital e, consequentemente, refém das desigualdades sociais e dos excluídos do submundo.

O filme que fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2018, estreia hoje nos cinemas com uma história visceral de amor entre a jovem Qiao (Tao Zhao) e um pequeno mafioso local, Bin (Liao Fan). A narrativa situada em Datong, China, é dividida em três tempos distintos e permeia o universo dos negócios clandestinos ritualizado pela concepção de lealdade e justiça.

Durante uma briga entre gangues rivais, Qiao dispara um tiro para proteger o amado. Por esse ato, ela é encarcerada na prisão por cinco anos. Ao adquirir a liberdade, a protagonista decide procurar por Bin e retomar o relacionamento de onde pararam. No entanto, ela se depara com algo completamente diferente do esperado e precisará de coragem para lidar com esse novo cenário. 

Novamente a atriz chinesa Tao Zhao - casada com o diretor - é submetida a uma jornada de provações intensas e de puro sofrimento, se em "As montanhas se separam", ela tinha como conflito escolher qual pretendente e, depois, relacionar-se com o filho. Em "Amor até as cinzas", o amor é só por uma pessoa, mas as imposições para ser leal a esse amor é em um nível demasiado. Tanto que a aparência física da personagem transforma-se no decorrer do drama, no início observa-se uma vivacidade e uma certa inocência, para posteriormente, dar vazão à um rosto cansado e desiludido. 

Zhangke Jia mais uma vez trabalha com o paralelo entre Ocidente versus Oriente, seja na escolha da trilha sonora mesclada com canções orientais e a clássica "YMCA", do grupo Village People, ou com o destaque dado da performance de dança de salão feita por um casal de dançarinos chineses. Do mesmo modo, nota-se a importância concebida às tecnologias e ao dinheiro. Esse último, é enquadrado com veemência em várias cenas, como por exemplo na sequencia em que o chefe da máfia oferece um punhado de notas para Qiao comprar roupas, ou quando a mesma é alvo de um roubo e fica sem nenhum tostão. 

Em suma, "Amor até as cinzas" constrói um mosaico honesto das relações humanas fundamentadas no afeto, no desejo, na dignidade, na reputação, no perdão, na cumplicidade e na traição, com a passagem do tempo como pano de fundo. Um cenário desolador, mas que pulsa por meio de um balé de emoções e raios poéticos. 
CineBliss*****


Ficha técnica: 

Amor até as cinzas (Jiang hu er nv)
China/Japão/França, 2018
Direção: Zhangke Jia
Roteiro: Zhangke Jia
Produção: Nathanaël Karmitz, Olivier Père, Shozo Ichiyama
Fotografia: Éric Gautier
Montagem: Matthieu Laclau
Elenco: Tao Zhao, Liao Fan, Xiaogang Feng

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