"O homem que matou Dom Quixote" é uma jornada surreal e divertida no âmago do romance de cavalaria


O filme de encerramento do Festival de Cannes 2018, "O homem que matou Dom Quixote" (2018), estreia nesta quinta-feira (30) exclusivamente na rede de cinemas Cinépolis de todo país. O longa-metragem dirigido e escrito por Terry Gilliam (Os doze macacos, Brazil - O filme), tornou-se uma das produções mais problemáticas da história do cinema por ter levado quase 30 anos para ficar pronta. A narrativa, baseada no icônico livro de Miguel Cervantes "Dom Quixote" (1605), tem como protagonista Toby (Adam Driver), um diretor de cinema arrogante e descrente que ganha dinheiro produzindo comerciais.Em uma gravação de seu novo trabalho na Espanha, ele depara-se com uma cópia de seu antigo filme de conclusão de curso realizado em um vilarejo espanhol.

Tocado ao ver as imagens desse passado, Toby desloca-se para a comunidade onde foram feitas as imagens e a encontra completamente transformada. A jovem e ingênua garçonete Angelica (Joana Ribeiro), mudara-se para Madri para seguir o sonho de ser atriz e, o sapateiro Javier (Jonathan Pryce), que havia interpretado Dom Quixote, deu asas para loucura e acredita ser o próprio cavaleiro em busca de aventuras. Por seu estado mental, ele confunde Toby com seu fiel companheiro, Sancho Pança.

Nessa mistura de realidade versus fantasia e comédia versus drama, Toby em um desarranjo de destino se vê imerso em uma jornada surreal ao lado de Dom Quixote. Nas perambulações pela geografia árida e de castelos espanhóis, os dois personagens lutam contra cavalheiros, gigantes, salvam donzelas em perigo e até encontram ouro. 

O ator Adam Driver emprega uma performance primorosa e sólida, seu mergulho no doloroso processo de desconstrução da identidade de seu personagem carrega tonalidades de tristeza e amargura, ao mesmo tempo que, potencializa lampejos de luz sobre sua criatividade e intuição. Aos poucos, Toby vai se desfazendo de suas convicções calcadas no real para permitir a aproximação da fantasia em sua jornada. Isso é notável em sua vestimenta, de um terno branco estiloso para uma roupa surrada, poncho e chapéu.  

Por mais sutil que seja, há de se destacar uma certa referência à dois títulos do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), tanto no começo quanto no final do filme. No início, Toby assim como o personagem Guido de "8 e meio" (1963) encontra-se sem nenhum inspiração, pressionado pelo produtor para realizar o filme e, consequentemente, ocasiona uma dificuldade para distinguir a realidade da fantasia. Já no fim, em que os personagens fantasiados com vestimentas da Idade Média reúnem-se em um castelo para uma festa alimentada de absurdas extravagâncias, assemelha-se a festa burguesa de "A vida doce" (1960), absorta no vazio existencial.

"O homem que matou Dom Quixote", por mais que tenha demorado três décadas para se concretizar, dialoga com frescor sobre temas atuais como pessoas que vivem nas margens da sociedade, imigração, crise existencial e violência contra a mulher, todos esses assuntos embalados com atos de bravura. Um romance de cavalaria transformado para os dias de hoje de modo emocionante, divertido e sublime. 
CineBliss***** 



Ficha técnica: 

O homem que matou Dom Quixote (The man who killed Don Quixote)
Espanha/ Reino Unido/ Bélgica/ França/ Portugal, 2018
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Terry Gilliam, Tony Grisoni
Produção: Amy Gilliam, Gerardo Herrero, Grégoire Melin, Mariela Besuievsky, Pablo Iraola, Pandora da Cunha Telles, Sébastien Delloye
Fotografia: Nicola Pecorini
Montagem: Lesley Walker, Teresa Font
Elenco: Adam Driver, Jonathan Pryce, Olga Kurylenko, Stellan Skarsgard, Joana Ribeiro

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