"O quebra-cabeça" sensibiliza o despertar de uma mulher submissa e recatada


Até o fim do século XIX na sociedade ocidental, o papel da mulher esteve destinado ao espaço privado relegada a cumprir apenas a função de esposa, dona de casa e mãe, sem permissão para estudar ou seguir uma profissão. Essa divisão de papéis sociais entre homens e mulheres aprisiono-as no âmbito doméstico, não consentindo sua autonomia em outras áreas que não fosse o lar. Por muito tempo elas foram tratadas como cidadãs de segunda classe, submissas a pais, maridos e irmãos, ou seja, a homens. A mudança de cenário começa a acontecer só a partir da segunda metade do século XX, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho e uma maior participação no espaço público. 

Mesmo com certos avanços em questões de direitos e igualdade entre homens e mulheres, o retrato em pleno século XXI está longe de ser ideal, uma vez que o patriarcado com seu sistema de dominação e exploração da mulher continua visível, tanto na realidade quanto na ficção. Como no caso do filme lançando esta semana nos cinemas "O quebra-cabeça" (2018), do diretor Marc Turtletaub, cuja protagonista Agnes (Kelly Macdonald) vive em função do bem-estar da família, se preocupando exclusivamente com os desejos e necessidades do marido e dos filhos, presa em sua bolha doméstica. 

O chamado para aventura na rotina de Agnes ocorre ao desembrulhar uma caixa de presente ganho em seu aniversário de 40 anos, um quebra-cabeça. A protagonista, ao começar a juntar as peças logo descobre a velocidade incrível que tem para montá-los e, arrisca-se em participar de um torneio nacional de quebra-cabeça em parceira com Robert (Irrfan Khan), um homem divorciado, rico e que só assiste notícias de catástrofes. 

Agnes, uma católica fervorosa que até então aparentava ter parado no tempo tanto na vestimenta, na decoração da casa, na repulsa à tecnologia ou na submissão ao marido, inicia um processo de transformação em sua autonomia e permiti-se vivenciar algo que lhe faz bem. Suas idas à casa de Robert, proporciona entrar em contato com outro universo completamente distinto do seu e a romper com um comportamento padronizado.

"O quebra-cabeça" é um remake do filme argentino "Rompecabezas" (2009), da diretora Natalia Smirnoff, cuja versão atual é conduzida com ritmo lento e delicado, e assim, o espectador aos poucos torna-se íntimo da rotina de Agnes e observa o nível de sociedade conservadora destinada ainda a muitas mulheres, onde estas são cercadas pela solidão, servidão e vazio interno. A jornada da personagem principal, ilustra quantas mulheres sofrem caladas com seus destinos, sendo que algumas por motivos maiores permanecem cumprindo com suas obrigações e, outras decidem perambularem e serem protagonistas de suas histórias.
CineBliss ****
*Visto no Festival do Rio 2018




Ficha técnica: 

O quebra-cabeça (Puzzle) 
Estados Unidos, 2018
Direção: Marc Turtletaub
Roteiro: Oren Moverman 
Produção: Wren Arthur, Guy Stodel, Marc Turteletaub, Peter Saraf 
Fotografia: Chris Norr 
Montagem: Catherine Haight 
Elenco: Kelly Macdonald, Irrfan Khan, David Denman, Bubba Weiler, Austin Abrams

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