"Babygirl" libera os grilhões que ainda insistem em oprimir o desejo sexual feminino

 

Com as ondas de desconstruções na sociedade ocidental relacionadas às questões de gênero, há através do cinema um meio de comunicação que com seu alcance global expõe narrativas cujas abordagens em alguns casos almejam participar desse processo. Como exemplo tem-se o dinamarquês "Rainha de Copas" (2019), da diretora May el-Toukhy, o austríaco "A professora de piano" (2000), do diretor Michael Haneke e "Babygirl", da holandesa Halina Reijn (2024), que estreia amanhã (09) nos cinemas.

Os três filmes trazem em seus cernes a semelhança de introduzirem jornadas sob a perspectiva de mulheres mais velhas em posições de autoridade e poder que envolvem-se em jogos de sedução e afetos com rapazes mais novos, ao mesmo tempo que experimentam uma libertação sexual para vivenciarem suas fantasias mais libidinosas. Se no primeiro caso, há a professora de piano que desperta para um vínculo sadomasoquista com seu estudante, ou no segundo caso, da madrasta que envolve-se em um romance com seu enteado, o título mais recente debruça-se sobre a relação extraconjugal da CEO Romy (Nicole Kidman) com um de seus estagiários, Samuel (Harris Dickinson).

Diferentemente de seus antecessores que destinam as protagonistas para desfechos de punições, seja pela culpa ou pela mutilação a si própria por terem se atrevido a vivenciarem suas sexualidades. No caso do último, a diretora Halina Reijn num primeiro momento leva a crer a construção de Romy sob o viés da dualidade estereotipada da mulher ocidental que ora pende para a bela, recatada e do lar, santificada biblicamente através da figura de Maria, ou para a puta, por meio de Eva. 

No entanto, ao longo do decorrer do filme tal crença cai por água abaixo ao apresentar uma protagonista que mesmo que vista seu avental para o preparo das refeições da família, desloca-se da função do lar por ocupar uma posição de poder na empresa que fundou e serve de inspiração para outras mulheres, oscila em pulsões complexas sobre seu caráter e seu comportamento expondo as diversas facetas de ser uma mulher, mãe e líder de uma empresa de robótica. 

E, justamente no seu quesito mulher, reside em seu âmago a ausência de gozo durante a penetração sexual com o marido Jacob (Antonio Banderas). Tal omissão amplifica o silenciamento de seu orgasmo ao se masturbar assistindo vídeo pornô, e o apetite por experimentar diversas formas de prazer.

Tal desejo ganha espaço quando torna-se mentora de Samuel no programa de estagiários de sua empresa. O jovem com audácia e uma certa arrogância, conduz Romy para um caminho até então desconhecido sobre sua própria sexualidade, ao mesmo tempo em que ambos despontam para um jogo erótico de submissão, poder e controle. Curioso observar que as cenas entre os dois em nenhum momento se atreve a expor o ato da penetração sexual e, sim, os estímulos para a ocorrência do gozo. Tal constatação permite aludir para a falsa premissa da penetração como um dos principais ativadores do orgasmo feminino.

"Babygirl", permite a reflexão sobre como o corpo das mulheres mesmo sendo sexualizados a todo momento pelos meios de comunicação, pouco se atreve a lançar luz sobre a sexualidade do mesmo de um modo libertário e sem as amarras do que é considerado socialmente aceito. Não à toa, o corpo da atriz não ser exposto no sentido da objetificação e deleite visual masculino como geralmente ocorre com personagens femininas, mas sim para uma visualização do orgasmo em um corpo de uma mulher com mais de 50 anos na tela. 
 
Vale lembrar que a atriz Nicole Kidman durante a coletiva de imprensa do filme no Festival de Veneza ano passado, evento do qual foi condecorada com o prêmio de Melhor Atriz, disse que "Todos merecem mais orgasmos".
CineBliss*****
 


Ficha técnica: 

Babygirl (Babygirl)
Estados Unidos, 2024
Direção: Halina Reijn
Roteiro: Halina Reijn
Elenco: Nicole Kidman, Antonio Banderas, Harris Dickinson, Esther McGregor

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