Terror brasileiro "As boas maneiras" embasa a discussão do grupo Jornada da Heroína


Com o tema "Amor materno: instinto natural ou construção social?" o grupo Jornada da Heroína debateu na última terça-feira(26) o terror brasileiro "As boas maneiras" (2017), dos realizadores Juliana Hojas (Campo;Cidade) e Marco Dutra (O silêncio do céu). Embasado por um recorte histórico com resquícios hierárquicos da escravidão e com acréscimos das diferenças sociais, o longa-metragem aborda a maternidade tanto do lado de quem gesta quanto do lado de quem assume a responsabilidade dos cuidados do novo ser. 
 
Dividido em duas realidades distintas da cidade de São Paulo, "As boas maneiras", num primeiro momento retrata a gravidez de Ana (Marjorie Estiano), uma jovem branca de família rica que se encontra morando sozinha em um condômino de classe alta. Para ajudá-la com as tarefas domésticas, cuidados e até mesmo dama de companhia tem-se a recém-contratada Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira negra oriunda da região periférica da metrópole paulista. 

O encontro entre as duas desemboca em diversas inquietações relevantes para a compreensão da hibridação entre raça, gênero e classe social. O romance homoafetivo delas, alude para uma radiografia da relação das mucamas no período escravocrata brasileiro com seus senhores da Casa-Grande. Encarregadas de manter em todos os níveis o bom andamento do local, estas mulheres negras tinham como tarefas lavar, passar, cozinhar, costurar e até mesmo amamentar os filhos e filhas das sinhazinhas. E, geralmente sofriam violências sexuais cometidas pelos homens brancos. Algo semelhante, ao observar as funções que Clara têm que realizar no apartamento de Ana, tendo até mesmo que literalmente doar o sangue para a patroa. 

De mucama, segundo Lélia González, tais mulheres originaram a figura da mãe negra (cuidar e educar) dos filhos dos senhores. Novamente uma atribuição ao qual a personagem negra também se encarrega de realizar sozinha em sua casa nos arredores paulista, depois de Ana ao dar à luz ser submetida ao óbito. 

Tal morte de personagem reflete nas considerações trazidas pelas teóricas feministas do cinema que identificaram nos filmes ditames patriarcais que geralmente costumam penalizar personagens que transgridem tais normas. Ana, ao ceder aos seus desejos sexuais e fazer sexo por um noite com um homem desconhecido, é punida com uma gravidez indesejada e ameaçadora, que consequentemente à leva ao falecimento. Dessa forma, o cinema reforça a mensagem para mulheres que entregar-se à sua sexualidade eventualmente pode acarretar o fim. 

O próximo encontro do grupo Jornada da Heroína ocorrerá no dia 23 de abril (terça-feira), às 19h30, via Google Meet com a discussão do filme austríaco "Boa noite, mamãe"(2016), das realizadoras Severine Fiala e Veronika Franz. Para maiores informações ou inscrição: jornadaheroinaemk@gmail.com

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