"Pobres Criaturas" que estreia hoje na Star+ radiogra os aprisionamentos e violências cometidas contra o corpo feminino

 

 
Laureado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza ano passado e quatro prêmios no Oscar 2024 incluindo Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Design de Produção e Melhor Atriz para Emma Stone, o provocativo "Pobres Criaturas"(2023), do diretor grego Yorgos Lanthimos (A favorita, A lagosta) estreia hoje na plataforma de streaming Star+. Sem sombra de dúvidas, tais logros são frutos merecidos de uma narrativa desenhada pela fusão dos contextos modernos - ciência versus religião; capitalismo versus socialismo e avanços tecnológicos em prol do progresso, e com uma pincelada de ideais futuristas. Tais constatações são expostas nos cenários requintados, inovadores e nos trajes das personagens.

Embalada por essas condecorações mundo afora, o filme baseado no livro homônimo do escocês Alasdair Gray nutre-se num primeiro momento da premissa do clássico da literatura moderna Frankenstein (1818), da autora inglesa Mary Shelley, em que tal qual o livro tem-se um visionário cientista, no caso do filme Dr. Godwin Baxter (Willian Dafoe), imerso em seus ideais de avanço da ciência sem medir as consequências, concebe em seu laboratório a materialização de um experimento chamado Bella Baxter (Emma Stone), um corpo de mulher com cérebro de um bebê. 
 
A partir daí, o filme direciona seu foco para a jornada de desenvolvimento e descobertas por parte da protagonista. Bella, sem qualquer consciência sobre si mesma e sem qualquer autonomia, vive enclausurada dentro da mansão de seu criador sujeitando-se a comportamentos infantis, falta de coordenação motora e pouco progresso linguístico. Ao adentrar na suposta puberdade, com apetite sexual e ânsia por aventurar-se para o mundo lá fora, ela é obrigada a se casar com o aprendiz Max (Ramy Youssef). Algo que ela aceita fazer, sem antes engajar-se para lugares até então desconhecidos ao lado do advogado Duncan (Mark Ruffalo). 

Nesta imersão em descobrir o paradoxo entre os prazeres e as dores da vida, Bella também é surpreendida ao desvendar suas origens, sua satisfação sexual, sua forma de educar-se e seu próprio meio de subsistência. Porém, em todo esse caminhar que supostamente enaltece essa personagem feminina, a figura masculina se faz presente e dominante com sua lógica perversa patriarcal. Os homens ao seu redor além do óbvio controle sobre seu corpo, o aprisionamento de sua sexualidade e a aniquilação de sua autonomia no direito da escolha, também operam na perfeita fantasia misógina: um belo corpo feminino à serviço da satisfação masculina, mas com cérebro infantil que não possui credibilidade em suas falas e anseios. 

Estimulada a ver o mundo através do trajeto e olhar masculino, Bella ao se deparar sozinha e cercada das poucas figuras femininas que se apresentam ao longo do filme, opta por retornar para suas origens e ali cumprir seu destino matrimonial. Como já observado pelas teóricas feministas do cinema, as personagens femininas ao serem instigadas a transitarem para além dos ditames patriarcais são obrigadas a regressarem, caso contrário são punidas por mortes ou assassinatos. 

Emma Stonne, merecidamente levou para casa a estatueta tão sonhada na indústria hollywoodiana ao corporificar uma das personagens mais complexas do cinema atual, no entanto há que questionar se tal empreitada realmente apresenta avanços com relação à autonomia e liberdade das mulheres ou é mais uma construção narrativa com teor supostamente transgressor que esconde em suas nuances o inconsciente patriarcal.
CineBliss*****



 
Ficha técnica: 
 
Pobres Criaturas (Poor Things)
Estados Unidos Reino Unido, 2023
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Alasdair Gray
Elenco: Emma Stonne, Willian Dafoe, Mark Ruffalo, Ramy Youssef
 

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