"Nomadland" explora as raízes culturais da desigualdade social nos Estados Unidos


"Nomadland", da diretora chinesa Chloé Zhao (Domando o destino), ainda sem data de estreia nos cinemas brasileiros, apresenta uma radiografia dos esquecidos e marginalizados da sociedade norte-americana. O filme ganhador do último Leão de Ouro (prêmio máximo do Festival de Veneza) e indicado em quatro categorias do Globo de Ouro 2021 incluindo Melhor Filme Drama, Melhor Direção, Melhor Atriz de filme Drama e Melhor Roteiro, transborda inquietações econômicas, sociais e humanas de comunidades cujos destinos foram tragados por realidades de exploração do trabalho, perdas e de um desejo consciente de vida.

Sob o ponto de vista da protagonista Fern (Frances McDormand), uma mulher com seus quase 60 anos de idade, que após perder tudo devido ao colapso econômico da zona industrial ao qual morava, tem como única opção perambular sozinha por lugares desconhecidos em sua minivan - meio de transporte e morada-, em busca de qualquer tipo de trabalho. Novamente a intérprete americana entrega uma performance vigorosa e autêntica ao corporificar uma mulher batalhadora, afetuosa e resistente que não se enquadra nos padrões normatizados da sociedade ocidental.

Ao lado de Fern, o público é arremessado a uma realidade não tão difundida da desigualdade social dos Estados Unidos. Em cada camping em que estaciona, a personagem é surpreendida com histórias humanas sobre fatalidades, memórias, desapegos e incentivos a continuar seguindo. Cada rosto exposto para a câmara salta aos olhos as feridas causadas pela jornada da vida, a perseverança como forma de sobrevivência e o afeto em acolher cada membro desse corpo social de nômades dos tempos modernos. 

Estes nômades, solitários em seus trajetos pelas rodovias americanas submetem-se a todos os tipos de subtrabalhos - empacotadores da empresa Amazon ou atendentes de fast food - o que permite refletir com certa profundidade o processo de exploração do corpo proletário transformado em máquina para o capital. Esse olhar sensível do roteiro também assinado por Chloé Zhao, sonda a melancolia social de inúmeros dramas pessoais materializados em relatos estilo documental. 

Destacam-se em várias sequencias da narrativa os planos gerais da paisagem árida, desértica, coberta de neve ou o mar, e a personagem de Fern como única integrante dessa imensidão. Uma força poética e simbólica em cada um desses frames de imagens. Talvez numa possível alegoria não só da solidão humana, mas também da pequenez das pessoas em relação à natureza. 

Enquanto tal, a questão da morada é algo recorrente em todo desenrolar do filme. Tanto através do drama pessoal da protagonista ou das outras pessoas que assim como ela estão em constante movimento, mas também remetendo a cada um de nós. Como pode ser visto em uma das sequencias em que uma das personagens faz a seguinte indagação: "Lar é apenas uma palavra ou algo que você carrega com você"?
 
Decerto por instigar um processo de desconstrução de ideias tão difundidos nos Estados Unidos (terra das oportunidades) pelo viés humano, "Nomadland", tenha logrado uma fértil provocação sobre os hematomas sociais de uma parcela silenciada da sociedade norte-americana. 
CineBliss*****
 

Ficha técnica: 

Nomadland (Nomadland)
Estados Unidos, 2020
Direção: Chloé Zhao 
Roteiro: Chloé Zhao 
Elenco: Frances McDormand, David Strathairn

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