"Manas" denúncia um ciclo de violência que condena a jornada de milhares de meninas no Brasil

 

Quando o filme brasileiro "Manas" (2024) estreou nos circuitos de cinema do país em maio deste ano, já havia acumulado inúmeros prêmios em festivais internacionais, incluindo o GDA Directo's Award, principal láurea da Giornate Degli Autori, no Festival de Veneza. As condecorações ao redor do mundo e a pré-seleção como o indicado para representar o Brasil no Oscar 2026 - o selecionado foi "O agente secreto" -, faz jus à narrativa extremamente provocativa e necessária conduzida magistralmente pela diretora Marianna Brennand, em seu primeiro longa-metragem. 

Situada na comunidade ribeirinha na ilha do Marajó, particularmente nas águas do Rio Tajapuru, o filme acompanha a jornada de Marcielle, a Tielle (Jamille Correa), uma jovem de 13 anos que vê-se coagida a dar continuidade a um ciclo de violência sobre o corpo feminino. Após a sua menarca, ela começa a sofrer uma aproximação física de seu pai, Marcílio (Rômulo Braga). Este por sua vez, num primeiro momento personifica a figura do pai religioso e protetor que não quer que sua filha frequente as embarcações atracadas no rio.

No entanto, Tielle logo se torna uma vítima de abusos sexuais tanto por parte de sua figura paterna como também na exploração sexual nas balsas, tal qual as outras jovens da comunidade. Seu rito de passagem da infância para a juventude vem permeado pela violência e o silenciamento.

Silenciamento este que vem por parte das outras mulheres do local, incluindo sua própria mãe, Danielle (Fátima Macedo), que diante da sensação de impotência de não saber como reagir ou a quem recorrer, encontra-se em um estado letárgico. Algo que é visível na personagem ao abaixar a cabeça quando a filha lhe confronta com o olhar silenciado, ou quando relata a sua própria história e a ineficiência do Estado de proteger os corpos mais vulneráveis.

Com um ritmo pausado que lhe permite adentrar na intimidade da família, somos confrontados a encarar a perda da inocência de uma menina. Suas brincadeiras com a irmã perde espaço quando é obrigada a ir "caçar" com o pai. Enquanto tal, Tielle busca por algum tipo de ajuda que lhe permita quebrar esse ciclo, mesmo que seja no âmbito do simbólico como ocorre no final.

Observa-se que a diretora ao optar não apresentar as imagens em si de tamanha violência, recorre a elementos fílmicos que deixa implícito ao público o que pode ter ocorrido em determinadas cenas chaves. A utilização do extracampo para não dar visibilidade aos abusos, já é algo que vem sendo debatido por diversas teóricas do cinema, ao afirmarem haver um certo fetichismo masculino em ver através da agressão física às mulheres, o domínio do poder e força sobre tais corpos considerados vulneráveis. 

A diretona Marianna Brennand em uma de suas entrevistas de divulgação do filme, comenta que mergulhou por 10 anos em pesquisa sobre a exploração de meninas e meninos em barcos atracados no Rio Tajapuru, mas que a realidade dessas crianças era ainda mais perversas pois envolviam também abuso infantil intrafamiliar na região. Ainda segundo a mesma, para não ser doloroso para as vítimas narrarem suas histórias em um documentário, ela optou por uma história ficcional, baseada em relatos de famílias, assistentes sociais dentre outros.

"Manas", corrói a alma frente a impotência do ciclo de violência que condena desde a infância meninas a serem controladas e a se sujeitar a uma estrutura de poder que subjuga seus corpos e os aniquilam. Ao mesmo tempo, também permite ao público vislumbrar a exuberância de uma natureza que deslumbra e amedronta, frente a imensidão da floresta e do rio que nos mostra a nossa pequenez diante do mundo.
CineBliss*****

Ficha técnica: 

Manas (Manas)  
Brasil, 2024
Direção: Marianna Brennand
Roteiro: Marianna Brennand, Antônia Pellegrino, Camila Agustini, Carolina Benevides, Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky
Elenco: Dira Paes, Jamille Correa, Rômulo Braga, Fátima Macedo

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