A refilmagem de "O estranho que nós amamos" salienta o lado das mulheres


Era uma vez uma menina nascida em berço cinematográfico, que aceitara o chamado de fazer parte de um time seleto de mulheres diretoras de Hollywood. Filha de Francis Ford Coppola e Eleanor Coppola, Sofia Coppola, ao adentrar nesse universo um tanto quanto machista, logrou em 2003 o Oscar de Melhor Roteiro Original por "Encontros e desencontros". Desde então, a carreira da cineasta deslanchou de vento em pompa, atingindo a consagração esse ano, com a conquista da Palma de Ouro de Melhor Direção, no Festival de Cannes, com a refilmagem de "O estranho que nós amamos" (2017).  

O longa-metragem teve sua primeira versão dirigido por Don Siegel, em 1971, com Clint Eastwood como o protagonista masculino, cabo John McBurney. No remake, a interpretação do mesmo coube à Colin Farrell, que invoca a característica do homem viril exigido pelo personagem. Sob os cuidados de Sofia, a narrativa centrada no sul dos Estados Unidos, em plena Guerra Civil do século XIX, permeia sob a órbita do temido e desconhecido universo feminino. Se em 1971 o foco da trama era o soldado, em 2017, a atenção direciona-se para o lado das mulheres.

Logo na primeira cena, o espectador é conduzido para dentro de um bosque envolto de névoa através do caminhar da jovem Amy (Oona Laurence), com sua cesta à procura de cogumelos. Inevitavelmente lembra um refinado conto de fadas, no exato momento em que a mocinha 'ingênua', adentra para o obscurantismo do mundo desconhecido. No caso do filme, a floresta revela o soldado ianque John McBurney deitado em uma árvore, com ferimento na perna. Como uma boa cristã, Amy ajuda John a se locomover para chegar até o internato da senhora Martha Farnsworth (Nicole Kidman).

No casarão de luxo e conservado do internato, encontram-se outras estudantes Jane (Angourie Rice), Alicia (Elle Faming), Marie (Addison Riecke), Emily (Emma Howard) e, a vulnerável professora Edwina (Kirsten Dunst). Em terra confederada, John McBurney num primeiro momento, obtém um arredio abrigo para recuperar a perna ferida. No entanto, sua chegada transforma a rotina de todas as mulheres, afetando suas maneiras de se vestirem e se comportarem, despertando desejos até então enclausurados.

O roteiro assinado por Sofia Coppola e Thomas Cullinan, constrói-se num ritmo eloquente à tensão erótica que se desenvolve na maior parte do filme no espaço privado do casarão. O abrir e fechar de portas é algo notório e proposital. A área externa apresenta-se como uma bela passagem de tempo e, também como respiro para toda inquietude que aflora nas personagens.

Novamente Sofia introduz a questão da pessoa deslocada do ambiente em que se encontra. A cineasta já havia trabalhado esse tema em seus filmes anteriores e, no atual, esbarra nos papéis de Edwina e John McBurney. A fotografia refinada de Philippe Le Sourd esboça o ambiente interno, à noite, com luzes de vela e uma certa escuridão. Por outro lado, a parte externa carrega uma vivacidade das luzes do sol durante o dia e, um certo mistério ao cair da noite, com destaque para neblina.

Todo esse invólucro cinematográfico criado por Sofia Coppola a partir de um remake, demonstra o quão vasto é o universo feminino, com milhares de histórias ansiosas para serem retratadas no cinema. Todavia, a forma de contar essas narrativas almeja por novo jeito, ou melhor, uma transgressão com o sistema patriarcal de representação da mulher, como visto em "O estranho que nós amamos"
CineBlissEK



Ficha técnica: 

O estranho que nós amamos (The Beguiled)
Estados Unidos, 2017
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola, Thomas Cullinan
Produção:  Sofia Coppola, Youree Henley
Fotografia: Philippe Le Sourd
Elenco: Nicole Kidman,  Kirsten Dunst, Colin Farrell, Elle Fanning

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