"As montanhas se separam" manifesta a expansão do capitalismo na China com refinamento poético


O triângulo amoroso costuma aparecer em narrativas cinematográficas com bastante frequência, como é o caso do novo filme do diretor chinês Jia Zhang-Ke, "As montanhas se separam" (2015), que utiliza inicialmente desse ingrediente romântico para salientar a expansão do capitalismo na China, a partir do final da década de 1990. Coloca-se em jogo o que se ganha e o que se perde quando o país permite a abertura das portas para a novidade, a globalização e sucateia o velho, a tradição. 

A eclosão desse momento histórico chinês para o diretor inicia-se em 1999, na virada para o século XXI, ao som de Pet Shop Boys, com a canção "Go west", na qual a personagem principal Tao (Zhao Tao), dança fervorosamente junto de várias pessoas em uma discoteca. A jovem, de aparência leve e descontraída, fomenta uma amizade com dois homens completamente diferentes, Zhang (Zhang Yi) um ambicioso empreendedor capitalista que adora ostentar suas aquisições e, Liangzi (Jing Dong Liang) o oposto, trabalhador de uma mina de carvão, com a índole humilde e íntegra.

Ambos, nutrem afeto por Tao e expectativa de relacionamento sério, o que gera disputa a todo momento pela atenção dela. Já a moça, estima a companhia dos dois sem tomar partido por nenhum. Como tudo na vida, Tao é forçada a decidir entre Zhang e Liangzi, escolhendo o primeiro. Sua decisão pessoal, torna-se em uma metáfora para os rumos econômicos chineses, com a abertura para o mercado globalizado. 

A partir desse fato, o filme avança para o ano de 2014, de um lado, tem-se o relacionamento distante entre Tao e seu filho de cinco anos, do outro, a dominância do capitalismo na cultura chinesa, com a predominância de aparelhos tecnológicos e nuances da língua inglesa. Logo, a narrativa atinge um futuro próximo, 2025, com a mudança de cenário, agora em terras australianas. Nesse novo lugar, encontra-se o esfacelamento das tradições chinesas, fruto das imersões globalizantes nessa cultura, cujo resultado, é retratado na busca por reaprender o passado, até mesmo na língua nativa.

Curioso notar, como a cor vermelha está presente nos objetos, em praticamente todas as cenas, casaco, blusa ou até mesmo no chaveiro. A coloração não deixa de ser simbólica, já que é predominante na bandeira chinesa e representativa do comunismo. Também vale a pena ressaltar, que nos três momentos da narrativa, Tao prepara sua especialidade, o bolinho de massa chinês, assinalando momentos decisivos em sua vida.

Com uma narrativa linear precisa, o filme conta com o embalo contagiante da uma trilha sonora que pontua estágios importantes da história. As imagens impactantes, dialoga com o processo de transformação cultural, econômica e social que aflige a China nesse período apresentado no filme. "As montanhas se separam" provoca uma discussão profunda sobre influências externas, por sua vez, também dá vazão para o flerte com o lado poético da linguagem cinematográfica. Sem sombra de dúvida, uma obra que alimenta o coração de qualquer apaixonado por cinema, com um final magistral e sublime.
CineBlissEK



Ficha técnica: 

As montanhas se separam (Shan He Gu Ren)
2015, China
Direção: Jia Zhang-Ke
Roteiro: Jia Zhang-Ke
Produção: Nathanaël Karmitz, Shiyu Liu, Zhangke Jia, Zhong-lun Ren
Fotografia: Nelson Lik-wai Yu
Elenco: Zhao Tao, Sylvia Chang, Zhang Yi, Jing Dong Liang e Han Sanming

Comentários